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ESBA homenageia Celene Queiroz.

Barbalha  uma cidade com diversas personalidades que contribuem para o fomento e valorização das manifestações culturais. Uma dessas pessoas é a folclorista Celene Queiroz, profunda conhecedora das manifestações de cultura popular e tradicional da região, com anos de trabalho junto a mestres e brincantes da cidade e da região do Cariri. A Escola de Saberes de Barbalha homenageia essa educadora, dedicada ao fortalecimento dos grupos de brincantes do município, tanto nas comunidades rurais, como nas escolas públicas, publicando o seu depoimento (Percurso de Vida), colhido pela Professora Juraci Cavalcante.

“Nasci na Barbalha, na Barbalha de Santo Antônio, no dia 02 de fevereiro de 1944. Estudei do primário ao pedagógico, no Colégio Nossa Senhora de Fátima, dirigido pelas irmãs beneditinas.

A nossa Superiora era alemã: Madre Ildnara Kaindl. Ela veio de Olinda, havia entrado para o convento na Segunda Guerra Mundial. Morreu em Barbalha e aqui se enterrou, na década de 1970. Morreu ajoelhada na capela do Colégio, assistindo à missa.

Eu entrei para o Colégio e ali fui semi-interna dois anos e três anos interna. Sou filha única, o meu pai e a minha mãe moravam na fazenda Nova Olinda, município de Porteiras, a 18 quilômetros de Brejo Santo e 20 quilômetros de Jardim. Estudei francês, latim e inglês. Terminei o curso pedagógico.

O meu pai morreu em 1960. Eu dei desgosto a ele, quando fui reprovada no 4º ano do ginásio, por namoro com um menino. Ele não me viu diplomada. Eu me formei em 1965. Ele foi assassinado por um desafeto, negócio de uma sociedade, o cara ao invés de brigar com o dono, atirou nas suas costas, no Café Expresso, no centro de Barbalha, esquina do Cine-teatro. Mãe estava grávida de 8 meses. Ele sobreviveu por 4 dias, foi atingido nos 2 rins. Fez a cirurgia, não resistiu. Faleceu no dia 26 de janeiro de 1960. O meu irmão nasceu no dia seguinte, a 27.

Fui ensinar no Grupo Escolar Martiniano de Alencar, do Estado, por contrato e na Escola Joaquim Duarte Granjeiro, do município. Depois, fui convidada a ser a Supervisora municipal do Mobral, por 2 anos, como supervisora de área. Fiz o teste e fiquei pelo Mobral, prestando serviço. Viajava, sendo responsável por Barbalha, Milagres e Jardim. Passava uma semana em cada cidade, além de Fortaleza, onde recebia os treinamentos, as capacitações, os dinheiros, o material pedagógico, na rua Solón Pinheiro, perto do Coração de Jesus, sede do Mobral.

Quando o Mobral passou a ser Fundação Educar, na década de 1980, segunda metade, eu continuei no mesmo lugar, mas me obrigaram a morar em Fortaleza. O ganho fixo era pequeno, o bom eram as diárias. Nas cidades onde trabalhava, o povo brigava por mim. Em fevereiro de 1987 eu pedi afastamento, todo mundo ficou angustiado, pressionado. Eu arrumei as minhas coisas e saí. Fizeram uma festa para mim de despedida!

Lembro-me das colegas de Fortaleza, da UFC: as chefes Lúcia Helena Fonseca Grangeiro (Coordenadora), João Batista (Fortaleza), Edmir Lima (Fortaleza), Luiz Antonio (Fortaleza) e de Gilvone Granjeiro (Juazeiro). Tínhamos colegas de todo o Ceará: Castelina (Crato), Nair (Juazeiro), Joana Pedrosa, Aila Brito e Marta (Crato), Lúcia Vanda (Brejo Santo).

Foi quando comecei a trabalhar com a parte folclórica. Sala de aula à noite com adultos. Conhecíamos professores e alunos. A sala de aula era iluminada com lamparina. O Mobral ajudava com transporte, lâmpadas, só não dava merenda. O material didático era muito rico. Trabalhava com temas geradores, método inspirado em Paulo Freire, apesar da Ditadura militar. Todas as palavras eram do universo vocabular deles: enxada, tijolo. Entre eles, muitos aprendiam a ler. Muitos chegavam com problema de vista. O Mobral partiu para uma campanha de óculos.

Nós “alugamos” o Dr. Giovani, oftalmologista. Ele parou as consultas dele. Toda tarde vinham professoras e alunos para consulta. Tanto óculos! Se o aluno precisava de óculos para longe e para perto, eram dois. Vinham de Águas Belas, Minas Gerais. Ficavam felizes com os óculos na cara!

Por conta do conhecimento com os velhos da zona rural, saíamos fazendo levantamento nas escolas e fomos descobrindo os artistas. Foi um levantamento começado pelo Colégio Nossa Senhora de Fátima. As freiras, com o apoio do prefeito Dr. Fabiano Livônio Sampaio, neto de Zuca Sampaio, filho de Antônio Costa Sampaio – um dos fundadores do Centro de Melhoramentos de Barbalha, que trazia hospitais e escolas, na década de 1940. Em 1944, cria-se o Colégio Santo Antônio.

Esse levantamento teve origem numa disputa inventada pelo Prefeito junto com as freiras, para alunas do 2º e 3º Normal/Pedagógico para ver qual das turmas descobria mais: comida típica, folclore, danças, coisas nossas que estavam enterradas. Eram as “barracas”, caracterizadas de vaqueiro, quadrilha: 1) Cangalha; 2) Cancela; 3) Cabana Abano. Durou 3 anos. Na Praça Brasília, do Hospital São Vicente, elas mostravam os achados. Eu me lembro que aquela foi a primeira vez que eu vi os Penitentes cantando, renda de bilro, comidas típicas. Era durante o dia todo, por um dia, o da Festa do pau da Bandeira, na década de 1970.

O primeiro ano do Folclore foi 1973, instituído pelo Dr. Fabiano, foi ideia dele. Eu não sei quantos anos durou esse trabalho na escola. Só sei que a Madre Estela Mares decidiu que o Colégio não se envolveria mais com o trabalho, porque a partir de abril, as alunas não queriam outra coisa. Foi aí que passou esse trabalho para o Mobral.

No Mobral, passou para a Coordenação da Supervisora, Antonia Luna Rodrigues, que ainda é viva. No outro ano, 1976/1977, em maio de 1978, eu entrei no Mobral e comecei esse trabalho com ela, junto à  Benivalda Magalhães, na Comissão Municipal do Mobral. Com esse trabalho, caímos em campo, soltas por esses matos, fomos descobrindo coisas.

Quando comecei, tinha 12 a 15 grupos folclóricos. Pulou para 58, depois 64 grupos. Trazíamos todas as apresentações para Barbalha, durante a festa do Pau da Bandeira. Foi quando comecei a trabalhar com cineastas (Rosemberg Cariry – O Caldeirão), intelectuais, historiadores, músicos, cantores. Todos me procuravam para pesquisar cultura. O Prefeito já era João Hilário Coelho Correia, que enfatizava a cultura, soltava mais dinheiro, gostava de animação cultural.

Fabiano foi novo estudar fora. Foi Tenente do Exército, como Engenheiro Civil. Devia ser influenciado pelo avô (Zuca), pelo pai. Quando o assunto era folclore, os dois, tanto Fabiano, quanto o João, davam carta branca. Passei pelas mãos de muitos prefeitos com este trabalho. Fabiano uma vez, João duas vezes. Depois veio: Dr Inaldo de Sá Barreto (duas vezes), que era agrônomo; Rommel Feijó, médico (duas vezes), que também eu muito impulso à cultura, ao folclore; Edmundo Sá, engenheiro civil, Rommel, José Leite, bancário, nascido em Aurora, com tronco da família Cruz de Barbalha.

Fui Secretária de Cultura duas vezes. A primeira vez, com Rommel, entre 1989 e 1992; a segunda vez com João Hilário Coelho Correia, de 1992 a 1996. Foram dois mandatos.

Fiquei depois lotada na Secretaria de Educação, estava antes lotada na Cultura. Na Educação, comecei o trabalho de resgaste da cultura popular nas escolas, junto com Benivalda Magalhães. Sondamos a sensibilidade de professoras e alunos para a cultura popular: lapinhas, bumba-meu-boi, repentistas, danças, dança do pau de fita, dança do xaxado, dança do penera o xerém.

Agora, vamos ver se a gente resgata os benditos dos Penitentes dentro das Escolas, ensinando a cultura popular aos meninos nas escolas de Barbalha.”

* Entrevista realizada em maio de 2009, na cidade de Barbalha.

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