Fogo no Canavial! E quem se lembra?
O sino da igreja de Santo Antônio está tocando desesperado.
Corre homem
também corre mulher
corre moça
também corre velho
corre menino
também corre menina
-Oxente, Zé. O que está acontecendo?
A estaladeira, estalejante está estampando a resposta, enchendo o céu de fumaça.
-Fogo no canavial!
-É castigo, diz uma velha bisbilhoteira da rua do vídeo.
Aí está em que dá ficar explorando os pobres.
As varandas dos altos sobrados estão apinhadas de gente.
Lá embaixo, não muito distante o inferno de Dante.
As labaredas são serpente ígneas
enroscando as toceiras de cana
que estranguladas esvaem-se
na sânie fervente da negra garapa.
As silhuetas das cabras seminuas
lutando contra as chamas
são demônios de cobre machetados de negro.
Seus tridentes de folhas de palmeira
vibram no espaço.
Enche o ar
o cheiro nauseabundo
de preás, cobras queimadas.
Nas partes onde não há mais perigo,
os moleques se divertem
com os ratos que saem correndo das moitas.
Alguém grita
-Mais água.
O fogo está vindo.
As mulheres enchem as latas d’água
aprumam nas cabeças
e saem quase correndo,
bundas gelatinosamente trepidantes,
os peitos pulando
nas blusas folgadas.
O esforço de todos
termina por dominar o fogo.
Tudo volta ao seu lugar.
Barbalha está calma.
Ninguém morreu.
Apenas braços, pés, dorsos machucados
na solidariedade dos cambiteiros.
No coração do seu Eloni, senhor de engenho,
em lugar do susto, da angústia, do medo…
a esperança verde do canavial
na alvorada feliz de um novo dia.
Livro “Minha Barbalha” Autor: Edmilson Félix
1989