Como uma freira alemã construiu o maior centro de referência em saúde no interior do Ceará.
Quando chegou à Barbalha, em 1969, portanto a 52 anos (2021), poucos conheciam a terceira dos sete filhos do casal Gisela e Wenzel Lerch, nascida em 5 de dezembro de 1929 num pedaço alemão que naquele período pré-Segunda Grande Guerra ainda pertencia à República da Checoslováquia. Nada sabiam sobre a família de pequenos fazendeiros que perdeu, de uma só vez, sua nacionalidade, sua terra e a possibilidade de ter batata e pão à mesa. Nada sabiam sobre a jovem que, num trem apinhado de desabrigados, deixou para trás a adolescência, passou fome, virou empregada doméstica, e se descobriu adulta, aos 20 anos, em Frankfurt, quando diz ter sentido o chamado para a vida religiosa. Os pais foram contra, mas em 1950 ela virou noviça.
Como as beneditinas são uma ordem pobre, de freiras trabalhadoras, ela escolheu estudar enfermagem. Em outubro de 1955, foi enviada para o Priorado de Olinda, no litoral de Pernambuco. Nada sabia de português, mas ensinou puericultura e higiene no curso de pedagogia, ajudou a formar novas freiras e era também enfermeira da Casa Mãe.
Em 1969, nomeada superiora e diretora da nova Fundação do Hospital-Maternidade São Vicente de Paulo, foi de ônibus para Barbalha, onde está até hoje.
Quando desceu da condução, pediu informações a um menino que fazia bicos por ali, carregando compras dos frequentadores da feira de rua – como a maioria das crianças dali aquele trabalhava desde sempre. Era Antonio Ernani de Freitas aos 8 anos, seu futuro braço direito, quase filho pelas próximas décadas. O hospital para onde ele a levou era um conjunto de paredes. Sem equipamentos, sem camas, sem viva alma. Ao inaugurá-lo, um ano depois, tinha maternidade, pediatria, clínica médica e isolamento. Antes do São Vicente de Paulo, os barbalhenses levavam seus doentes para Crato distante 24 quilômetros.
Até ser aposentada compulsoriamente aos 75 anos – uma regra na maioria das congregações -, a irmã acordava todos os dias às 3h da madrugada. Depois de orar e meditar, visitava os pacientes. Por volta das 5h, voltava à capela para as orações rituais com as outras irmãs. Só então, tomava o café. O dia seguia com mais uma ronda pelo hospital, burocracias do cargo e reuniões com os assessores diretos, mas só quando havia necessidade. Ernani e Antonina Luna Ribeiro (esta, colaboradora por quase 33 anos), dizem que ela nunca tomava decisões antes de ouvi-los, mas não se esquivava da última palavra, nem mesmo das mais difíceis. Em meados da década de 80, com os recursos oficiais à míngua, precisou demitir metade dos funcionários. Falou e chorou – com cada um deles. Quando o dinheiro voltou a pingar, muitos foram recontratados.
Em Barbalha, ninguém se lembra da irmã sem trabalhar. Se ela não tinha nada para fazer, limpava paredes e o chão. Vivia com um pano na mão. O povo dali gosta de contar como corria para cima e para baixo em busca de dinheiro para manter e ampliar sua obra. Também falam da vez, com o hospital ainda fechado, em que ela percorreu 30 cidades alemãs falando nos púlpitos das igrejas sobre uma cidade carente no interior do Brasil que precisava de um hospital. Além de doações em dinheiro, conseguiu o primeiro raio X.
Em outra ocasião, ao ler na revista Exame sobre o então poderoso CEO da General Electric, Jack Welch, mandou uma carta para ele lá nos Estados Unidos. Solicitava ajuda para comprar (quem sabe, ganhar!) um desses equipamentos caríssimos que a multinacional americana fábrica. A doação não veio, mas o desconto viabilizado pela filial brasileira ajudou na compra.
HOMENAGEM.
Da esquerda para a direita: casal embaixatriz e embaixador da Alemanha no Brasil; Sr. Antonio Ernani de Freitas e Irmã Edeltraut Lerch, por ocasião da entrega de uma comenda do governo alemão à religiosa beneditina residente em Barbalha
Texto e postagem: Armando Lopes Rafael
Irmã Edeltraut Lerch – por Maria Tereza Gomes
01 de agosto de 2009.